terça-feira, 12 de abril de 2011

Ushuaia – Duas Rodas e um Sonho

Ushuaia – Duas Rodas e um Sonho
Cap 6 - O pacto de silêncio que não funcionou


Na organização de um projeto como este, bem como o dia a dia na estrada, nem tudo o que acontece são flores e os conflitos de interesse, não poderiam deixar de existir.
Viajar em grupo é um enorme exercício de paciência e de resignação.
Quanto me propus a escrever este livro, com a ajuda de todos os meus amigos que viajaram, firmamos entre nós um compromisso de contar toda a verdade com todos os detalhes, fossem boas ou ruins, e de não esconder nada do leitor.

Isto para que todos os que se dispuserem a ler o nosso livro, pudessem conhecer de fato, a realidade dos bastidores que cercaram organização e formatação da viagem.
Os conflitos, os interesses particulares de cada um, a forma como agimos, e também como conseguimos driblar tudo isto, e realizar o nosso sonho com sucesso.
A narrativa deste capítulo procurou trazer a luz todos os fatos, no maior desafio nosso antes da partida que foi a montagem do grupo que iria viajar.

Eis os acontecimentos, tal e qual aconteceram:

Quando do nascimento do projeto e definição do grupo de viagem, uma das primeiras preocupações do “núcleo duro de Blumenau”*,  foi quanto ao numero de participantes.

* Núcleo duro de Blumenau: Foi uma forma carinhosa que o companheiro Joaquim Barbosa achou para denominar os 5 membros de Blumenau (Chico, Sergio, Beber, Buatim e MacGyver), idealizadores da expedição, pois na sua visão, éramos nós os “ditadores das regras do projeto”. Nota do autor.

Sabíamos que, á medida em que mais amigos tomassem conhecimento do projeto da viagem, teríamos um enorme problema nas mãos que seria dizer “não” àqueles que se candidatariam a irem juntos, haja vista que um numero grande de viajantes em um projeto longo como este, não é recomendado por ninguém que já o realizou.
Seria um erro, e o “núcleo duro” não estava disposto a cometê-lo.

Por outro lado, teríamos que nos segurar para não convidar o “nosso próprio melhor amigo” para ir junto, o que seria perfeitamente natural e compreensível que cada um quisesse levar junto o “seu parceiro” de viagem, pois todo mundo tem alguém em especial e que gosta de sempre viajar junto.

Estas e outras preocupações se davam porque em uma viagem longa, o tipo de moto usada pelo grupo deve ser, preferencialmente, igual, ou então próximas uma das outras, pois não há como realizar uma viagem em que algumas motos, por exemplo, tenham autonomia para 350 km e outras 150 km ?
Umas viajam a 120 km/hora e uma outra que não passe de 90 km/hora.

Lendo relatos de outros projetos, pude comprovar que um grupo com muitas diferenças, o risco de o mesmo se desfazer na estrada é alto, e como diz nosso amigo e companheiro Joaquim:

  - Todos saem como irmãos e acabam virando primos no caminho, ou sequer isto.

Cientes deste risco, o “núcleo duro” celebrou um pacto, para tentar minimizar ou evitar este risco.
O pacto celebrado era:

 “Ninguém convida ninguém para a viagem, sem antes consultar a todos do grupo e a aprovação deve ser unânime”.

Pacto feito, pacto aceito pelos 5 do “núcleo duro”
Mas houve um “acidente de percurso”

Era agosto, e realizava-se o 6o. Encontro de Harleyros em Blumenau, evento a nível internacional, realizado anualmente no mês de Agosto, em que o Chico é o idealizador e anfitrião.
Exclusivo motos Harleys, evento de enorme prestigio, e muito concorrido, considerado um dos melhores encontros do país.

No sábado de manhã, como de praxe, há um desfile de motos pelas ruas centrais de Blumenau e neste ano, contava com mais de 450 participantes.

Eu participava do desfile, com a moto emprestada do amigo Bogo, juntamente com o Chico, MacGyver, Buatim e Beber.

Em determinado momento, ouvi através do canal de rádio PX, a seguinte conversa:

 - Ô Buatim, nós temos de ver os equipamentos, pneus e revisão de motos para a nossa viagem ao Ushuaia.
 -Claro, temos ainda muito tempo para isso, mas temos de nos preparar.
 -O que você me diz?... copiou?

Eu pensei:
Quem teria sido o “esquecido do núcleo duro” que, sem querer, havia anunciado o nosso projeto secreto e naquele momento, dava “a noticia ao vivo e a cores?

Sem querer, o Beber havia “soltado no ar” a notícia de nossa viagem ao Ushuaia.

Debaixo do meu capacete, ao ouvir a mensagem do Beber, pensei:

-      Temos nesta parada, no mínimo umas 300 motos, destas pelo menos umas 250 são modelo Electra que vem equipadas com rádio PX e muito provavelmente, sintonizadas no canal 11, que é o canal usado pelo grupo PHD.
-      10 entre 10 motociclistas desejam um dia viajar ao Ushuaia.
-      Vamos ter muitos amigos querendo se juntar ao nosso grupo e vai ser difícil contornar a situação.

Seria quase impossível que ninguém estivesse com o rádio PX ligado e é claro, ouvindo a mensagem e o nosso “projeto secreto” de viajar ao Ushuaia em poucas motos, acabara de ir para o espaço!

Silencio total... ninguém respondeu nada à pergunta do Beber.

Pensei:

- Acho que ninguém ouviu e acaba de acontecer um “milagre” neste desfile.

Porém, milagre demais o Santo desconfia...

O Joaquim ouviu, ficou em silencio durante a parada toda (ainda bem), e o assunto voltaria novamente à tona, somente à noite, no jantar de encerramento, onde o Beber e Joaquim sentaram-se na mesma mesa
Sobre o convite, o Joaquim assim narra a sua estratégia para fazer parte do grupo nesta expedição:

 -Gostaria de afirmar que ouvi sim o papo do rádio, mas confesso que minha ficha não caiu naquele momento.
-      E justiça seja feita, o Beber NÃO me convidou na noite de encerramento.
-      Na verdade ele num surto de "Gaúcho Papudo" virou para mim do nada, no maior convencimento e como se estivesse indo na esquina, declarou em tom solene: Estamos indo ao Ushuaia.
-      Eu respondi: Ah é! Que legal. E quem vai?
-      Ele desfilou a turma do “núcleo duro” que coincidentemente eu conhecia egostava de todos e aí sim minha ficha caiu.
-      Então eu disse a ele: Gostaria muito de ir com vocês mas se não for possível pego minha turma, colo em vocês e faço o mesmo programa!
-      Neste momento o gaúcho metido amarelou, ficou pálido e aí a ficha que caiu foi a dele.
-      Se levantou sem dizer uma palavra, encontrou o Chico atrás de uma coluna e disparou: Chico, fiz merda...
-      Foi um soco no fígado do pobre Chico, um filme passou na cabeça dele: Como vou brigar com a turma de Campo Grande?
-      Eles enchem o meu evento de gente! E eu fico na maior mordomia quando vou a Campo Grande!
-      Ai meu Deus minha vida vai ser um inferno!
-      E o pior é que é capaz deles virem atrás mesmo.
-      Beber seu jaguarão, confirma o gordo e pede pra ele não comentar com ninguém.
-      O Beber que voltou detrás da coluna era outro: Perfeitamente meu querido! Você era tudo que precisávamos no nosso grupo!
-      Seja bem vindo!
-      Eu pensei com meus botões: É, a chantagem funcionou.
-      O Pajé piscou..."

O Beber e o Chico então se viram em maus lençóis, pois tínhamos um pacto de silencio entre nós do “núcleo duro”, de não convidar ninguém sem falar antes com o grupo, e o Joaquim foi convidado por eles á revelia de todos.

Nós, já nos sentindo meio “excluídos” do “núcleo duro”, logo percebemos que foi um convite feito “sem querer – querendo”, entendem?

-      Haviam convidado mais alguém?
-      Quantos mais vocês convidaram, Beber e Chico?
-      Não, mais ninguém só o Joaquim.
-      Ufa, ainda bem

O “núcleo duro” recebeu naturalmente a notícia e ninguém se opôs ao Joaquim ir junto, pois éramos ainda só 5 motos, uma a mais, não faria diferença e o Joaquim era amigo de todos nós, um excelente companheiro de viagem e, sua moto, igual à de todos.
O fato de já ter viajado ao exterior com praticamente todos do grupo completavam o perfil.

Mas não podíamos deixar o Joaquim saber que ele foi “aprovado pelo núcleo duro”, pois ele sequer desconfiava do tal do “pacto de silencio” fechado entre nós.

Então foi meio que:

-      Seja Bem vindo Joaquim!!
-      Que legal que você vai junto conosco!!!

E fim de papo.

Agimos naturalmente, como se nada tivesse acontecido, e sem dar muitas explicações, pois a esta altura do campeonato, seria tentar explicar o inexplicável e a emenda poderia sair pior do que o soneto.

Como o Joaquim viria de C.Grande, por motivos de segurança na ida e na volta, o agora “núcleo duro, mais duro ainda”, decidiu sugerir ao Joaquim que convidasse um companheiro dele de Campo Grande, para lhe fazer companhia.
Coube ao Chico comunicar a ele a decisão do grupo:

-      Joaquim, convida um amigo seu para lhe fazer companhia até Blumenau e o acompanhar na volta. Estamos preocupados com o Gordo.
-      Mas Joaquim, é um só, entendeu?

O problema é que o Joaquim faz parte de um grupo grande de Campo Grande, chamado de “Crasy Dog Toba Red”, formado por pelo menos 40 Harleyros e todos amicíssimos dele e quando viajam, na maioria das vezes, viajam juntos.

Como o Joaquim iria chegar em Campo Grande, escolher um parceiro de viagem em meio aos seus 40 amigos?

-      Problema dele, falamos.

E deixamos isto a cargo do companheiro Joaquim, afinal, não iríamos nos meter em terra alheia.

O Joaquim convidou o Toninho Morais, e nos avisou por email.
Agora o grupo contava com 7 motos.

Do Toninho Morais, recebemos o seguinte email onde expressa a sua alegria e emoção ao ser convidado para a viagem:

De: Toninho
Assunto: Re: Mais um meio macho...

Prezados senhores aspirantes ao título de "fazedor de tormenta".
É com a alma lavada, o coração encharcado e a voz embargada de emoção e agradecimento que me dirijo aos prezados, amados e queridos companheiros.
Uma pessoa como eu, calmo, ponderado e outras virtudes mais, como bem descreveu JB, após ter dobrado o Cabo da Boa esperança, começa a querer enfrentar e vencer novos desafios, talvez para mostrar para si e para os outros que é MACHO. Um desses desafios é sem duvida ir para Ushuaia e, nada melhor do que ir para lá com um grupo tão seleto como esse.
Me despeço, após estas poucas e sinceras palavras, desejando a todos um excelente final de semana e feriado
Abraço
PHD Toninho

Pronto!
Finalmente o grupo estava fechado, pactuado no silencio, e éramos 7 motos.
Mas será que estava fechado mesmo?

O Chico, conhecendo o Joaquim de longa data, e sabendo que o Joaquim era muito amigo do Alexandre Evangelista que mora em Florianópolis, “sugeriu” que o Joaquim “consultasse” o Lelê, se este estaria disposto a viajar junto no grupo na expedição.

Ou seja, o Chico, no fundo, queria o Lelê no grupo, mas como ele era do “núcleo duro” e um dos signatários do Pacto do Silencio, não poderia convidá-lo diretamente.

Induziu então o Joaquim, que ao invés de efetuar o convite diretamente ao Lelê, resolve consultar primeiro a querida do Alexandre, para sentir a reação dela.
Ela não só deu o alvará, como também incentivou o Alexandre a efetuar a viagem, sacramentando então o convite a ele.

O Lelê acabou sendo convidado indiretamente e veio a fazer parte do grupo, meio “sem que sem querer querendo também”, e não sabia de nada sob pacto do silêncio.

E isto tudo acontecendo nos bastidores, sem que o “núcleo duro” agora quase extinto, soubesse de nada.

A notícia da inclusão do Lelê foi dada pelo Chico, mas também indiretamente, dizendo que foi Joaquim quem o havia convidado e que ele não sabia de nada, numa confusão danada.

-      Mas como o Joaquim convidou mais gente sem nos comunicar antes?
-      Beber, você avisou o Joaquim do nosso pacto do silêncio?
-      Eu não, alguém ai avisou ele
-      Chico, o que houve?
-      Não sei de nada...
-      Isto vai virar um “trem da alegria”, e nossa viagem vai pro brejo!

Para o “núcleo duro quase extinto”, o Joaquim havia convidado o Alexandre Evangelista sem consultar o grupo.

Pronto!
De novo, um stress danado tomou conta do “núcleo duro”
Emails apavorados circularam de um lado para o outro.
Mensagens em celulares davam conta da temperatura alta e questionamentos se não havia mais gente sendo convidada “aos montes e sem controle”.

-      Agora o Alexandre vai convidar um amigo dele também??!!
-      Daqui a pouco seremos 20 motos em um projeto que éramos 5!
-      E como fica o nosso projeto?!!!
-      Gente, será possível que ninguém entendeu ainda que o grupo não pode ser grande?

Eu era um dos mais apavorados, pois já havia viajado antes em um grupo grande e havia sido um stress danado.

O Lelê estava feliz da vida por poder retornar ao Ushuaia onde já havia estado de moto alguns anos atrás, e já ia contando nos dedos os dias que faltavam para a viagem.

Agora, era o Joaquim que se via em “saia justa” pois não sabendo do pacto, se deu conta que havia convidado o Lelê sem saber de pacto algum.

O Lelê, neste meio tempo, vendeu sua antiga moto, uma Honda Gold Wind e adquiriu uma Electra Ultra zero km, e já fazia planos de estréia da nova moto nesta viagem ao Ushuaia.

E pior, não poderíamos deixar saber do pacto, e de que foi convidado “sem querer”.

O “núcleo duro” não se opôs ao convite feito ao Alexandre, muito pelo contrário, ficamos todos felizes em tê-lo como participante.

Coube a mim oficializar o Lelê no grupo, enviando a ele todo o material e o que havia acontecido até aquela data, emails trocados e todas as decisões tomadas até ali e o roteiro fechado para a viagem.

Com a confirmação dele, completamos o numero de viajantes, que desde o início tínhamos estabelecido como máximo: 8 motos iguais.
Tínhamos ainda a possibilidade remota do Bogo ir junto, já que fez parte das primeiras reuniões, mas depois, por motivos particulares, deixou a decisão em stand by, mas toda semana, me perguntava como estava o projeto e que “estava louco de vontade de ir junto conosco”.

Portanto, caso o Bogo decidisse por ir junto, seríamos 9 motos.
Ainda assim, no limite máximo, mas um número considerado bom.

Depois do ocorrido, em uma “reunião extraordinária e deliberativa”, o “núcleo duro – agora duríssimo e muito atento a tudo”, resolveu baixar uma regra ainda mais dura:

“Se alguém convidar mais alguém, este alguém vai entrar no lugar de quem convidou. O convidado entra e quem convidou sai”.

Era uma forma descontraída de dizer que o grupo estava de bom tamanho, 8 motos iguais, 8 grandes amigos e 9 sonhadores em partir para o Ushuaia, visto que o Alfredo, desde o início, planejou levar o filho Ivan na garupa, um privilégio de poder dividir com ele, esta aventura em 2 rodas.

Por incrível que pareça, talvez não tivéssemos tido tamanho acerto na escolha dos participantes desta viagem se tivéssemos feito de forma diferente como foi.

Tínhamos entre nós muitas coisas em comum, e muitos amigos nossos, que estão lendo este livro agora, vão entender porque não os convidamos para nossa viagem e não o fizemos por absoluta necessidade de manter um grupo pequeno, para garantir o sucesso do projeto.
Mas viajamos com todos vocês em nossos corações.

Bem, me parecia perfeito, gente experiente, pessoas que comungam a alegria e o companheirismo e isto seria fundamental para a nossa viagem.

Eu não tinha então nenhuma experiência na formatação de um grupo de viagem de longa distancia, e muito menos a pretensão de delimitar o número de participantes.

Mas também, não deixava de me preocupar com a nossa viagem, e por que não dizer, com a minha viagem, já que era um dos integrantes mais ansiosos por realizá-la e porque não dizer, um incentivador desde o princípio junto ao grupo.

Lembro que o projeto original nem era para ser Ushuaia tendo em vista a janela de tempo, e eu fui um dos que bateu o pé para que projeto se desenvolvesse nesta direção.

Então me sentia na obrigação de não tornar um projeto maravilhoso, em um desastre no final.
Me sentia mesmo o “guardião do projeto”.

Os meses seguintes seriam gastos na preparação do projeto, pois queríamos garantir um bom planejamento da viagem e poder curtir cada momento nesta fase.