Ushuaia – 2 Rodas e um Sonho
Cap 19 – Com cara de Vaca Laçada
Acordamos bem cedo
neste dia e pela janela do quarto, vi que havia chovido muito a noite toda em
São Gabriel e pelo visto, em toda região.
Carregamos as motos
e fomos ao restaurante onde tomamos um excepcional café da manhã, preparado
pelo simpático senhor dono do restaurante, que nos fez a gentileza de abrir o
refeitório as 06:30 h, quando que o habitual é abri-lo á partir das 07:00h.
Se consegue muitas
coisas em se pedindo com boa educação, e a abertura do restaurante antes do
horário, foi um bom exemplo.
Pedimos na noite
anterior para tomarmos café mais cedo, explicando da nossa viagem e da
necessidade de pegarmos a estrada.
O dono do
restaurante, um senhor simpático, disse que faria todo o possível para colocar
o café completo para nós.
Ao chegarmos, ele
pessoalmente estava trabalhando e nos preparou um café da manhã maravilhoso,
com muitas opções de pães, doces, sucos.
O agradecemos e
elogiamos muito seu atendimento e também a sua atitude e disposição em nos
ajudar.
As 07:05 h o
comboio estava formado em frente ao Hotel.
Neste momento,
houve a “posse” do novo Road Captain.
O Chico, que foi o RC
de Blumenau até São Gabriel passou o comando do posto ao Lelê, que seria nosso
líder na estrada até o fim do mundo.
Lá atrás, como
Cerra Fila*, o Joaquim.
** Cerra-Fila, ou
Ultimo da Fila: É o piloto cuja moto viaja por ultimo no comboio e é
responsável por não deixar ninguém na estrada, seja por problemas mecânicos,
seja por atrasos durante o deslocamento...
É o piloto que mais
sofre durante uma viagem longa com
vários componentes, pois além de ter de cuidar dos últimos membros de um grupo,
ainda tem de imprimir um ritmo de viagem com muito maior velocidade, para não
deixar o grupo esticar muito. Normalmente, quem viaja como Cerra-Filas, tem de
desenvolver uma velocidade 20% maior do que o RC ou quem viaja mais á frente,
visto que é muito mais difícil acompanhar o grupo da frente, estando lá atrás.
Assim como o RC, o
Cerra-Fila tem um papel importantíssimo em uma viagem em grupo e também uma
função nada fácil de ser desempenhada, pois muitas vezes, o grupo lá na frente
já chegou ao posto de abastecimento, e o Cerra-Fila está parado na estrada,
prestando socorro a algum membro que teve algum problema.
Outro papel
fundamental do Cerra-Fila é auxiliar o RC quando em deslocamento dentro de
cidades e em rodovias muito movimentadas em que o grupo anda junto.
Cabe a ele, segurar
o transito de veículos que vem por trás do comboio, garantindo assim, a
segurança do grupo na frente. Neste caso, opera como verdadeiro pára choques
traseiro do grupo. É dele que parte a ordem de abrir passagem para carros mais
velozes, e cabe a ele também ser o primeiro a voltar para a pista de rolamento,
e assim, os da frente voltam na mesma sequencia.
Se algum membro do
grupo parar no acostamento por qualquer problema, além do Cerra-Fila, deve
parar quem estiver imediatamente atrás do membro que teve problemas, mantendo
assim a regra básica de ter sempre 3 pilotos juntos parados na estrada.
Assim como o Road
Captain, é errado um membro do grupo ficar atrasando o Cerra-Fila, por motivo
que não seja justo. Esta atitude, além de atrasar o deslocamento do comboio,
causa grande confusão no grupo de deslocamento, que nunca sabe ao certo, quem
ficou para trás. Por exemplo, parar para fumar na estrada é um desrespeito ao
ao grupo todo pois o Cerra-Fila tem de
ficar parado á espera do membro que parou por um motivo não essencial.
Quando em
deslocamento dentro da cidade, e em motos que possuam rádios PX, é recomendado
aos demais membros do comboio que liberem o rádio, dando preferência de falar
ao Cerra-Fila e ao Road Captain. Esta atitude simples facilita em muito a
condução do comboio dentro de cidades em que nem sempre todo o grupo conseque
passar com o sinal verde.
É o Cerra-Filas
quem dá a ordem de partida ao Road Captain, depois de paradas para
abastecimento e refeições, garantindo assim, que todos estão no comboio.
Nota do Autor.
Saímos em formação,
uma moto a direita, outra a esquerda, e assim, sucessivamente.
Esta formação, é a
ideal para viagens em grupo, pois evita
colisões traseiras caso o companheiro da frente tenha de frear bruscamente.
Rádios testados,
cada um procurando um lugar no comboio que mais lhe confortava.
Interessante a
formação inicial do comboio a cada novo dia.
Tirando o Road
Captain e o Cerra-Fila, que já expliquei antes suas funções principais e
são o primeiro e o último do comboio, os demais, automaticamente buscam um
lugar que se sentem mais confortáveis, e muitas vezes, este lugar é repetido
por vários e vários dias seguidos, assim como, podem variar de um dia para
outro ou mesmo, de uma parada para outra.
Mas é certo que
alguns se sentem melhor viajando na mesma posição.
No PHD esta regra
de seguir a formação é uma grande lição de como se deve andar em comboio, em um
grupo maior.
Uma vez escolhido o
seu lugar, é ali que você vai seguir viagem até a próxima parada pelo menos, ou
seja, ninguém fica trocando de posição a todo momento, nem ultrapassando o
companheiro da frente entre uma parada e outra.
Isto dá uma
tranqüilidade e uma segurança muito maior em uma viagem em comboio, pois
praticamente sua atenção fica quase que exclusivamente voltada para a
pilotagem, atenção em buracos, animais etc, já que a preocupação se algum
companheiro esta lhe ultrapassando, praticamente não existe.
Logo na saída, uma
neblina intensa tomou conta da estrada, lembrando um dia típico de inverno, embora
estivéssemos em pleno verão.
-
Parece que estamos pilotando no céu, vejam que
maravilha, disse o Chico.
Naquela penúria e
visão quase zero, podíamos ver apenas o sinal fraco da lanterna vermelha da
moto á frente, e quando muito, as faixas na estrada, que por sinal estava em
obras, dificultando a correta posição na pista.
Seguíamos mais
devagar neste trecho, quando começou a cair uma chuva leve.
-
Alguém quer colocar capa de chuva? Pergunta o
Chico.
-
Sim eu gostaria, responde Buatim
-
Então vocês podem seguir em frente, eu paro com o
Buatim e Ivan, o Joaquim fica comigo, e logo logo, alcançamos vocês.
-
Ok, vamos seguir ao máximo de 80 km/hora, assim
vocês logo nos alcançam, determina o Lele.
Não demorou muito,
e o Buatim avisa:
-
Já estamos aqui atrás novamente, nos juntando ao
comboio.
Para nossa
felicidade, foi apenas uma garoa rápida, mas a neblina continuou intensa por
mais alguns quilômetros.
-
Que visão fantástica daqui da frente eu tenho,
vendo os faróis de todos vocês pelo meu retrovisor, diz o RC Lelê lá na frente.
-
Pessoal, eu vou passar por vocês pela esquerda, e
vou fazer algumas fotos de vocês nesta névoa.
-
Vão ficar sensacionais estas fotos, diz o Chico.
Mais alguns km e a
neblina se foi completamente, assim como a garoa.
O sol já aparecia e
a perspectiva era de um dia limpo e de muito calor.
Rapidamente,
chegamos a Santana do Livramento*, cidade que faz fronteira com Rivera*, no
Uruguai.
* Compõe uma única malha com a uruguaia Rivera,
onde há free shops de produtos importados. Para mudar de país, basta atravessar
uma rua do Centro - não há burocracia.
Fonte: Guia Quatro Rodas.
Apenas uma rua
divide os dois países, então, a atravessamos e já estávamos na Republica
Oriental do Uruguai, onde rapidamente rumamos para a aduana uruguaia, para os
tramites normais de carimbar o passaporte e registrar a entrada da moto.
Não queríamos
perder tempo, pois tínhamos muitos km e ainda uma aduana pela frente, até
Buenos Aires.
Observar os
procedimentos aduaneiros corretos é imperativo em uma viagem, pois ao não
fazê-lo, e chegando ao próximo passo fronteiriço, é certo de que os fiscais o
obrigarão a retornar, quando não, poderão prender o veículo, causando grande
dor de cabeça e atrasos ao grupo.
Então, toda
documentação tem de estar rigorosamente em dia.
Recomenda-se uma
revisão completa nos documentos antes de sair para que estes trâmites possam
ser feitos de maneira correta e sem riscos.
O Lelê, ao
apresentar o documento ao fiscal, foi informado que teria de pagar uma multa em
dinheiro, por não ter dado baixa na sua saída, quando visitou o país na última
vez.
Isto comprova a
importância dos procedimentos serem feitos sempre de maneira mais correta
possível.
A aduana em Rivera
é muito simples e está instalada em pequeno prédio.
Como era manhã de
domingo e chegamos havia recém aberto, não havia ninguém além das 8 motos
estacionadas em frente e uns poucos cambistas á espera de algum turista
disposto a trocar algum dinheiro.
O meu procedimento
foi rápido, carimbo no passaporte e registro de entrada da moto no país.
Ao sair, me deparo
com o Toninho e Joaquim, ambos sentados numa mureta, já fora da aduana, e o
Toninho muito, mas muito contrariado e com um olhar extremamente triste.
-
O que aconteceu Toninho?
-
Pires, você não vai acreditar, o meu passaporte
está vencido.
-
Como assim vencido?
-
Pires, peguei o documento mas não percebi que ele
estava vencido.
-
Sem problemas Toninho, pois em todo Mercosul,
eles aceitam a nossa carteira de identidade.
-
Pois é... eu não trouxe a minha identidade...
estou “sem lenço e sem documentos”.
Uma atmosfera
terrível tomou conta do grupo todo, pois nem havíamos saído do Brasil, e já
teríamos uma baixa?
E o Toninho era um
dos mais animados com a viagem, e não poderia ficar de fora.
O que fazer?
Uma das
alternativas seria o grupo seguir em frente, Toninho e mais dois do grupo
ficariam em Santana do Livramento, enquanto o documento seria enviado de Campo
Grande, via aérea.
Em um ou dois dias
estariam na estrada, correndo atrás do grupo principal.
Mas jamais nos
alcançariam, mesmo que rodando muito mais do que o grupo da frente, viajaríamos
todo o percurso como gato e rato.
Abandonamos esta
alternativa, quando um dos nossos, disse o seguinte:
-
Ou vamos todos juntos, ou todos ficamos aqui.
-
Não vamos abandonar o Toninho e vamos conseguir
uma alternativa.
-
Só sairemos daqui com o Toninho e o documento
junto com ele.
PHD é assim,
acredita que nada é impossível, principalmente quando se tem amigos conosco que
não te abandonam jamais.
Pontualmente as
13:00 horas estávamos todos estacionados novamente na frente da aduana
uruguaia, e com todas as motos juntas, e o Toninho de passaporte novo.
- Nunca vimos isto
acontecer antes, comenta o atendente do outro lado do balcão, enquanto
carimbava o documento do Toninho, que a esta altura, voltava a ser feliz.
Contamos aqui só o
milagre, mas não podemos contar o Santo.
O atraso de 4 horas
entendemos como providencial pelo nosso Guia Maior lá de cima, nosso Senhor dos
Tempos, que resolveu atrasar nossa saída, pois entendemos o Seu recado de que
era para sairmos um pouco mais tarde do que o previsto.
Era um sinal
claríssimo de que Ele nos havia livrado de algum problema maior lá na frente.
Se ia ou não
acontecer algo, nunca saberemos.
Este acontecimento,
no início da viagem serviu para unir o grupo ainda mais e comprovar que um PHD
vai até o fim, e nunca desiste e que aquele ditado que diz que a união faz a
força, foi por nós comprovado que funciona de fato.
-
Ô Toninho, tá na escuta?
-
Sim, pode falar Joaquim.
-
Mas você estava com uma cara de “vaca laçada”
naquela aduana heim?
-
Heim?
-
Como?
-
Não ouvi direito Joaquim, o rádio esta com
interferência... tchau...
-
Ô Joaquim, explica este negócio de vaca laçada?
-
É que quando você laça uma vaca ou boi, ele fica
com a mesma cara que o Toninho estava na aduana.
-
Fica triste, olhar perdido.
E rimos bastante
por um bom trecho, embora achamos que o Toninho estava com o rádio desligado,
pois não houve reação por parte dele.
Acho, inclusive,
que só agora que ele ler este capítulo, vai saber o quanto nos divertimos com o
ocorrido.
Toninho, saiba que
o grupo não seguiria viagem sem você, e não te abandonaríamos jamais naquele
lugar.