sábado, 15 de setembro de 2012

Ushuaia – 2 Rodas e um Sonho Cap 19 – Com cara de Vaca Laçada


Ushuaia – 2 Rodas e um Sonho
Cap 19 – Com cara de Vaca Laçada

Acordamos bem cedo neste dia e pela janela do quarto, vi que havia chovido muito a noite toda em São Gabriel e pelo visto, em toda região.
Carregamos as motos e fomos ao restaurante onde tomamos um excepcional café da manhã, preparado pelo simpático senhor dono do restaurante, que nos fez a gentileza de abrir o refeitório as 06:30 h, quando que o habitual é abri-lo á partir das 07:00h.
Se consegue muitas coisas em se pedindo com boa educação, e a abertura do restaurante antes do horário, foi um bom exemplo.
Pedimos na noite anterior para tomarmos café mais cedo, explicando da nossa viagem e da necessidade de pegarmos a estrada.
O dono do restaurante, um senhor simpático, disse que faria todo o possível para colocar o café completo para nós.
Ao chegarmos, ele pessoalmente estava trabalhando e nos preparou um café da manhã maravilhoso, com muitas opções de pães, doces, sucos.
O agradecemos e elogiamos muito seu atendimento e também a sua atitude e disposição em nos ajudar.

As 07:05 h o comboio estava formado em frente ao Hotel.
Neste momento, houve a “posse” do novo Road Captain.
O Chico, que foi o RC de Blumenau até São Gabriel passou o comando do posto ao Lelê, que seria nosso líder na estrada até o fim do mundo.
Lá atrás, como Cerra Fila*, o  Joaquim.


** Cerra-Fila, ou Ultimo da Fila: É o piloto cuja moto viaja por ultimo no comboio e é responsável por não deixar ninguém na estrada, seja por problemas mecânicos, seja por atrasos durante o deslocamento...
É o piloto que mais sofre durante uma viagem longa  com vários componentes, pois além de ter de cuidar dos últimos membros de um grupo, ainda tem de imprimir um ritmo de viagem com muito maior velocidade, para não deixar o grupo esticar muito. Normalmente, quem viaja como Cerra-Filas, tem de desenvolver uma velocidade 20% maior do que o RC ou quem viaja mais á frente, visto que é muito mais difícil acompanhar o grupo da frente, estando lá atrás.
Assim como o RC, o Cerra-Fila tem um papel importantíssimo em uma viagem em grupo e também uma função nada fácil de ser desempenhada, pois muitas vezes, o grupo lá na frente já chegou ao posto de abastecimento, e o Cerra-Fila está parado na estrada, prestando socorro a algum membro que teve algum problema.
Outro papel fundamental do Cerra-Fila é auxiliar o RC quando em deslocamento dentro de cidades e em rodovias muito movimentadas em que o grupo anda junto.
Cabe a ele, segurar o transito de veículos que vem por trás do comboio, garantindo assim, a segurança do grupo na frente. Neste caso, opera como verdadeiro pára choques traseiro do grupo. É dele que parte a ordem de abrir passagem para carros mais velozes, e cabe a ele também ser o primeiro a voltar para a pista de rolamento, e assim, os da frente voltam na mesma sequencia.
Se algum membro do grupo parar no acostamento por qualquer problema, além do Cerra-Fila, deve parar quem estiver imediatamente atrás do membro que teve problemas, mantendo assim a regra básica de ter sempre 3 pilotos juntos parados na estrada.
Assim como o Road Captain, é errado um membro do grupo ficar atrasando o Cerra-Fila, por motivo que não seja justo. Esta atitude, além de atrasar o deslocamento do comboio, causa grande confusão no grupo de deslocamento, que nunca sabe ao certo, quem ficou para trás. Por exemplo, parar para fumar na estrada é um desrespeito ao ao grupo todo pois o Cerra-Fila  tem de ficar parado á espera do membro que parou por um motivo não essencial.
Quando em deslocamento dentro da cidade, e em motos que possuam rádios PX, é recomendado aos demais membros do comboio que liberem o rádio, dando preferência de falar ao Cerra-Fila e ao Road Captain. Esta atitude simples facilita em muito a condução do comboio dentro de cidades em que nem sempre todo o grupo conseque passar com o sinal verde.
É o Cerra-Filas quem dá a ordem de partida ao Road Captain, depois de paradas para abastecimento e refeições, garantindo assim, que todos estão no comboio.
Nota do Autor.

Saímos em formação, uma moto a direita, outra a esquerda, e assim, sucessivamente.
Esta formação, é a ideal para viagens em grupo, pois  evita colisões traseiras caso o companheiro da frente tenha de frear bruscamente.
Rádios testados, cada um procurando um lugar no comboio que mais lhe confortava.
Interessante a formação inicial do comboio a cada novo dia.
Tirando o Road Captain e o Cerra-Fila, que já expliquei antes suas funções principais e são o primeiro e o último do comboio, os demais, automaticamente buscam um lugar que se sentem mais confortáveis, e muitas vezes, este lugar é repetido por vários e vários dias seguidos, assim como, podem variar de um dia para outro ou mesmo, de uma parada para outra.
Mas é certo que alguns se sentem melhor viajando na mesma posição.
No PHD esta regra de seguir a formação é uma grande lição de como se deve andar em comboio, em um grupo maior.

Uma vez escolhido o seu lugar, é ali que você vai seguir viagem até a próxima parada pelo menos, ou seja, ninguém fica trocando de posição a todo momento, nem ultrapassando o companheiro da frente entre uma parada e outra.

Isto dá uma tranqüilidade e uma segurança muito maior em uma viagem em comboio, pois praticamente sua atenção fica quase que exclusivamente voltada para a pilotagem, atenção em buracos, animais etc, já que a preocupação se algum companheiro esta lhe ultrapassando, praticamente não existe.

Logo na saída, uma neblina intensa tomou conta da estrada, lembrando um dia típico de inverno, embora estivéssemos em pleno verão.

-        Parece que estamos pilotando no céu, vejam que maravilha, disse o Chico.

Naquela penúria e visão quase zero, podíamos ver apenas o sinal fraco da lanterna vermelha da moto á frente, e quando muito, as faixas na estrada, que por sinal estava em obras, dificultando a correta posição na pista.
Seguíamos mais devagar neste trecho, quando começou a cair uma chuva leve.

-        Alguém quer colocar capa de chuva? Pergunta o Chico.
-        Sim eu gostaria, responde Buatim
-        Então vocês podem seguir em frente, eu paro com o Buatim e Ivan, o Joaquim fica comigo, e logo logo, alcançamos vocês.
-        Ok, vamos seguir ao máximo de 80 km/hora, assim vocês logo nos alcançam, determina o Lele.

Não demorou muito, e o Buatim avisa:

-        Já estamos aqui atrás novamente, nos juntando ao comboio.

Para nossa felicidade, foi apenas uma garoa rápida, mas a neblina continuou intensa por mais alguns quilômetros.

-        Que visão fantástica daqui da frente eu tenho, vendo os faróis de todos vocês pelo meu retrovisor, diz o  RC Lelê lá na frente.
-        Pessoal, eu vou passar por vocês pela esquerda, e vou fazer algumas fotos de vocês nesta névoa.
-        Vão ficar sensacionais estas fotos, diz o Chico.

Mais alguns km e a neblina se foi completamente, assim como a garoa.
O sol já aparecia e a perspectiva era de um dia limpo e de muito calor.

Rapidamente, chegamos a Santana do Livramento*, cidade que faz fronteira com Rivera*, no Uruguai.

* Compõe uma única malha com a uruguaia Rivera, onde há free shops de produtos importados. Para mudar de país, basta atravessar uma rua do Centro - não há burocracia.
Fonte: Guia Quatro Rodas.

Apenas uma rua divide os dois países, então, a atravessamos e já estávamos na Republica Oriental do Uruguai, onde rapidamente rumamos para a aduana uruguaia, para os tramites normais de carimbar o passaporte e registrar a entrada da moto.
Não queríamos perder tempo, pois tínhamos muitos km e ainda uma aduana pela frente, até Buenos Aires.

Observar os procedimentos aduaneiros corretos é imperativo em uma viagem, pois ao não fazê-lo, e chegando ao próximo passo fronteiriço, é certo de que os fiscais o obrigarão a retornar, quando não, poderão prender o veículo, causando grande dor de cabeça e atrasos ao grupo.
Então, toda documentação tem de estar rigorosamente em dia.
Recomenda-se uma revisão completa nos documentos antes de sair para que estes trâmites possam ser feitos de maneira correta e sem riscos.

O Lelê, ao apresentar o documento ao fiscal, foi informado que teria de pagar uma multa em dinheiro, por não ter dado baixa na sua saída, quando visitou o país na última vez.
Isto comprova a importância dos procedimentos serem feitos sempre de maneira mais correta possível.

A aduana em Rivera é muito simples e está instalada em pequeno prédio.
Como era manhã de domingo e chegamos havia recém aberto, não havia ninguém além das 8 motos estacionadas em frente e uns poucos cambistas á espera de algum turista disposto a trocar algum dinheiro.

O meu procedimento foi rápido, carimbo no passaporte e registro de entrada da moto no país.
Ao sair, me deparo com o Toninho e Joaquim, ambos sentados numa mureta, já fora da aduana, e o Toninho muito, mas muito contrariado e com um olhar extremamente triste.

-        O que aconteceu Toninho?
-        Pires, você não vai acreditar, o meu passaporte está vencido.
-        Como assim vencido?
-        Pires, peguei o documento mas não percebi que ele estava vencido.
-        Sem problemas Toninho, pois em todo Mercosul, eles aceitam a nossa carteira de identidade.
-        Pois é... eu não trouxe a minha identidade... estou “sem lenço e sem documentos”.

Uma atmosfera terrível tomou conta do grupo todo, pois nem havíamos saído do Brasil, e já teríamos uma baixa?
E o Toninho era um dos mais animados com a viagem, e não poderia ficar de fora.
O que fazer?

Uma das alternativas seria o grupo seguir em frente, Toninho e mais dois do grupo ficariam em Santana do Livramento, enquanto o documento seria enviado de Campo Grande, via aérea.
Em um ou dois dias estariam na estrada, correndo atrás do grupo principal.
Mas jamais nos alcançariam, mesmo que rodando muito mais do que o grupo da frente, viajaríamos todo o percurso como gato e rato.
Abandonamos esta alternativa, quando um dos nossos, disse o seguinte:

-        Ou vamos todos juntos, ou todos ficamos aqui.
-        Não vamos abandonar o Toninho e vamos conseguir uma alternativa.
-        Só sairemos daqui com o Toninho e o documento junto com ele.

PHD é assim, acredita que nada é impossível, principalmente quando se tem amigos conosco que não te abandonam jamais.

Pontualmente as 13:00 horas estávamos todos estacionados novamente na frente da aduana uruguaia, e com todas as motos juntas, e o Toninho de passaporte novo.

- Nunca vimos isto acontecer antes, comenta o atendente do outro lado do balcão, enquanto carimbava o documento do Toninho, que a esta altura, voltava a ser feliz.

Contamos aqui só o milagre, mas não podemos contar o Santo.

O atraso de 4 horas entendemos como providencial pelo nosso Guia Maior lá de cima, nosso Senhor dos Tempos, que resolveu atrasar nossa saída, pois entendemos o Seu recado de que era para sairmos um pouco mais tarde do que o previsto.
Era um sinal claríssimo de que Ele nos havia livrado de algum problema maior lá na frente.
Se ia ou não acontecer algo, nunca saberemos.

Este acontecimento, no início da viagem serviu para unir o grupo ainda mais e comprovar que um PHD vai até o fim, e nunca desiste e que aquele ditado que diz que a união faz a força, foi por nós comprovado que funciona de fato.

-        Ô Toninho, tá na escuta?
-        Sim, pode falar Joaquim.
-        Mas você estava com uma cara de “vaca laçada” naquela aduana heim?
-        Heim?
-        Como?
-        Não ouvi direito Joaquim, o rádio esta com interferência... tchau...
-        Ô Joaquim, explica este negócio de vaca laçada?
-        É que quando você laça uma vaca ou boi, ele fica com a mesma cara que o Toninho estava na aduana.
-        Fica triste, olhar perdido.

E rimos bastante por um bom trecho, embora achamos que o Toninho estava com o rádio desligado, pois não houve reação por parte dele.
Acho, inclusive, que só agora que ele ler este capítulo, vai saber o quanto nos divertimos com o ocorrido.

Toninho, saiba que o grupo não seguiria viagem sem você, e não te abandonaríamos jamais naquele lugar.



Um comentário:

  1. Pelo amor de Deus , de. Onde veio o novo passaporte, nao entendi essa parte

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