segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ushuaia – Duas Rodas e um Sonho

Ushuaia – Duas Rodas e um Sonho
Cap 13 - Transformando Limão em Limonada


Quando se viaja em grupo, por mais que as pessoas se conheçam umas ás outras, há sempre um risco e uma preocupação em manter o grupo unido e fiel ao propósito, até o final da viagem.
No nosso caso, isto também não poderia ser diferente.
Ás vésperas do inicio da viagem, nota-se que o nosso grupo busca um auto-conhecimento, quase que automático. O assunto convivência durante a viagem nunca foi tratado explicitamente nas nossas diversas reuniões, mas mesmo assim, cada um de nós parece que antevendo que algum problema poderia ocorrer, busca de todas as maneiras, alertar a todos que, o mais importante é poder ir e voltar em harmonia, independente do que pudesse acontecer durante os dias de convívio que se aproximava.

Um primeiro passo e muito importante, é o reconhecimento de que o NÓS será mais importante do que o EU, e que de alguma forma, cada um teria de ceder um pouco, mudar um pouco o seu jeito individual de ser, e poder contribuir para que a harmonia e o companheirismo do grupo, pudesse sempre prevalecer.

Assim que o site do PHD divulgou o projeto de nossa viagem, vários foram os emails e mensagens de apoio enviadas, nos desejando sorte e uma boa viagem.

Um deles, em especial, que o Chico nos encaminhou:


De: CHICO
Assunto: Viagem de Moto ao Ushuaia.

Recebi estes comentários de um grupo que viajou ao Ushuaia, acredito que tudo que eles estão falando já foi abordado em nossos emails e reuniões.
Aqui também ficou claro que as motocicletas/espírito de companheirismo têm que ser do mesmo tipo, porem é sempre bom lermos realidades e não apenas relatos floreados de viajantes deslumbrados.

Foi a primeira vez que leio comentários tão fieis
Leiam abaixo o relato do grupo deles
Segue abaixo, relato que recebi:
Abraço
PHD Chico

De: Autoridade

PHD Chico & Amigos, tudo bem?

Quanto à nossa viagem ao Ushuaia, ela ocorreu em janeiro de 2007 e durou um total de 36 dias. Durante o ano de 2006, um grupo de motociclistas aqui do RJ, se reunia uma vez por semana para preparar a viagem: roteiro, roupas, o que levar para as motos (pneus, câmaras, correntes, etc.).
Discutia-se de tudo: quanto levar em dinheiro, consumo das motos, hotéis, acampamentos, possíveis patrocínios, comunicações, arrumação de bagagem, documentos necessários, etc.

Quando saímos do RJ fomos entrevistados por uma emissora de televisão local e ao ser perguntado qual seria nosso maior desafio respondi que seria a convivência de 6 pessoas por cerca de 40 dias. Parecia que eu estava adivinhando o que estava por vir.
O ideal seria que tivéssemos realizado uma viagem curta (2 ou 3 dias) para que conhecêssemos melhor nossos parceiros em uma situação semelhante.
Não fizemos isso e foi um erro básico. Ali poderíamos ter visto o comportamento de cada um, a paciência, a solidariedade, o ritmo que o comboio poderia imprimir, entre outras coisas. Mas não fizemos isso, saímos do RJ no escuro.

Já em viagem, todas as motos tiveram problemas e foram rebocadas pelo carro de apoio, o que demonstra que uma boa manutenção antecipada é fundamental para uma viagem como esta, assim como a decisão de levar o carro de apoio, no nosso caso, se mostrou acertada.

Mas se fossem só os problemas mecânicos, nossa viagem teria sido maravilhosa, mas infelizmente, o maior problema não foi este.
 O maior problema foi a convivência de pessoas diferentes, com visão e propósitos que não eram comuns ao grupo. E para isto, não havia como contornar ou simplesmente, engatar a moto na carreta e resolver o problema. Para isto, não havia solução.
Não, estando a tantos km longe de casa.

Relato a vocês os principais deles, que ainda me lembro, e espero que possa servir para outros grupos e também para o seu, que se aventuram em viagens longas e possa ajudar a todos numa melhor preparação e, principalmente, para manter a harmonia do grupo:

O primeiro problema:  o ritmo do comboio, uns querendo viajar a 120/130 e outros a 90/100. Por fim prevaleceu uma velocidade entre 100/110 km. Mas sempre com reclamações sobre quem escolheu o ritmo mais lento.

O segundo problema: o horário não foi combinado antecipadamente, assim era comum uma parte do grupo acordar por volta de 10 h da manhã e irmos para a estrada por volta das 11 h. Almoço ao redor das 13 h, descanso e quase sempre terminávamos por pilotar à noite, aumentando os riscos consideravelmente.

Terceiro problema: o ronco de alguns componentes atrapalhando o sono de seu companheiro de quarto. Alguns se recusavam a dormir juntos, e nem sempre havia vagas disponíveis nos hotéis. Se conhecêssemos antes este problema, teríamos feito as reservas de forma diferente.

Quarto problema: os espertos que arranjavam uma forma de ficar fora do rateio de despesas, que não ajudavam na arrumação da bagagem, no conserto de uma moto, na montagem do transportador, eram os primeiros a escolher os quartos ou as camas nos hotéis e pousadas.

Quinto problema: a falta de solidariedade daqueles que deixavam para trás colegas em apuros na estrada, com a desculpa que iriam na frente para conseguir logo um hotel.

Sexto problema: a arrogância daqueles que cometiam deslizes e não aceitavam uma crítica. Como os deslizes eram muitos, muitas eram as críticas o que levou a um racha no grupo.

No décimo terceiro dia, o grupo rachou, metade dele foi para um lado, e metade para outro. Levou algum tempo para que as feridas se fechassem, e desta viagem, ficou uma grande lição a todos nós.

Cuidados especiais:

Vento: a região patagônica é uma planície propícia a fortes ventanias. Deve-se ter muito cuidado com a pilotagem principalmente ao cruzar com as enormes carretas que trafegam em alta velocidade. Ao parar em postos de gasolina pare a moto de frente para o vento, mesmo com motos mais pesadas, se parar de lado o vento derruba fácil.

Gelo: dependendo da estação do ano é comum encontrar gelo na pista, pilote pisando
Em ovos se não puder esperar derreter.

Granizo: se você vir carros voltando buzinando e de farol ligado volte e procure abrigo por que deve ser uma chuva de granizo. Normalmente você pode enxergar as nuvens ao longe devido a topografia do terreno.

Estradas: as estradas na região patagônica em geral são bem pavimentadas porém de pista única (mão e contramão) e, aparentemente, um pouco mais estreitas do que as nossas. Os acostamentos são de pedras soltas em declive e terminam em uma vala dos dois lados. Os carros, ônibus e carretas andam sempre em alta velocidade.

Rípio: estrada de pedras pequenas soltas onde se deve pilotar com cuidado e diminuir a velocidade ao cruzar com outro veículo.

Combustível: baratíssimo e de excelente qualidade, cuidado apenas que na região patagônica pois as cidades distam entre 150 a 200 km uma da outra e, às vezes, uma delas pode estar em falta de combustível. Mantenha sempre o tanque cheio.

Polícia: a pior é a polícia Vial nas cidades que fazem fronteira com o Brasil (Entre Rios em especial). Trata-se de uma polícia a nível municipal altamente corrupta (eles usam um uniforme azul claro). Eles inventam qualquer infração e cobram em dólar (geralmente um absurdo). Eles dizem que se não pagar quando formos sair do país teremos de pagar (o que é uma tremenda cascata pois a alçada deles é municipal). Se vocês quiserem peitar, mande-os emitir o boleto. Uma outra técnica é, quando em grupo, alguém pegar uma filmadora e simular uma filmagem enquanto o policial está examinando os documentos de um do grupo.

Meus amigos, por fim, recomendo fortemente a viagem.
Vale a pena.
 São paisagens lindas e inesquecíveis.
 O povo argentino é de uma atenção fora do comum.
Tivemos exemplos de desprendimento, de solidariedade, de amizade e de carinho que me deixam arrepiado todas as vezes que me lembro.
Uma ótima viagem a todos.

PHD Autoridade

Assim que este email circulou no grupo, o Joaquim Barbosa envia seus comentários, contribuindo também para que todos do grupo pudessem “aproveitar os erros dos outros e assim, diminuirmos as chances de cometermos os mesmos”

De: Joaquim
Assunto: Viagem de Moto ao Ushuaia.

Senhores,

Já tive oportunidade de viajar algumas vezes em grupo ao exterior. Tentei planejar o melhor possível. Mas a realização da viagem é sempre diferente da expectativa que fazemos. É da natureza humana que uns sejam sempre mais espertinhos, outros mais ansiosos, uns mais sem educação, outros mais solidários. Quando a questão é financeira as virtudes ou defeitos aparecem logo. O problema da disciplina nem sempre é observado porquê muitos de nós se acham muito velhos e realizados para serem tutelados.

No caso específico deste projeto Ushuaia em que estou participando muito mais por um deslize do Beber do que por convite, resolvi que não deveria palpitar tanto no roteiro quanto nos detalhes da viagem. Há um ditado aqui na minha terra que diz "Quem anda na garupa não pega na rédea". Isso quer dizer que quando a gente pega uma carona num cavalo não temos o direito de decidir qual o rumo tomar.

O grupo formado é muito interessante. Mas não resisto a fazer alguns comentários. Pelas minhas observações este projeto foi montado para realizar uma viagem bem legal ao exterior, coisa que o Pires por suas atividades profissionais nunca conseguiu fazer. Fez-se então uma democracia "sui generis". O Pires arregaçou as mangas e se pôs a trabalhar com método e aplicação similar ao que deve fazer no seu dia a dia profissional. E o Chico que verdade seja dita fez um detalhamento sensacional de cada dia da viagem, iniciou o seu processo de mando em que o discurso é democrático ou no mínimo murista, mas que não admite ser contrariado. Mas se alguém levantar a voz lá vem o bordão: "Quem quer tomar banho...". Acho o estilo direto do Pires mais eficiente e honesto, porém prometo obedecer cegamente os dois. O Lelê que chegou por último, oficialmente por obra deste anarquista, mas incentivado em off pelo Chico, trouxe no meu entender contribuição maravilhosa na formatação do roteiro uma vez que já esteve por lá duas vezes.

Enfim acho este relato do pessoal do RJ interessante, porém todos nós temos muito mais experiência em viagens internacionais de moto do que tinha este pessoal e também nos conhecemos bem mais. Mas quero aqui sugerir a todos que quando as coisas não estiverem bem do jeito que cada um imaginou, que façam a conta do custo-benefício, que tragam no coração um pouco de humildade, generosidade, paciência e solidariedade. Porquê no fim o que fica prá sempre são os bons momentos e são estas proezas que vamos contar aos nossos netos...

Um ótimo fim de semana a todos.

PHD Joaquim já no espírito natalino Barbosa

O Toninho, sendo muito mais prático, envia uma idéia a ser praticada e que todos achamos sensacional, pois ao pô-la em prática, poderíamos “transformar um limão em uma limonada”, literalmente.

De:Toninho
Assunto: Re: Viagem ao Ushuaia.

Grande Chico!
Este texto é de suma importância para todos nós!
Retrata o dia a dia de um grupo viajando e convivendo por vários dias seguidos, onde os problemas aparecem sempre.
E não é diferente de outros textos que já li.
Mas acredito que nós temos varias vantagens em relação a eles, que é desnecessário detalhar aqui.
Acho que sou um dos mais "esquentadinhos" do grupo, mas tenha certeza que tentarei de todas as formas, me comportar civilizadamente.
Sugiro que tenhamos uma palavra-código, para ser usada no momento de uma possível discussão ou momento de tensão. A palavra poderia ser “PIRLIMPIMPIM”, ou outra qualquer.
Ao ser dita está palavra, a pessoa que está nervosa, imediatamente deve dar um grande sorriso e com isso os ânimos se acalmam e a viagem segue.
Que tal adotarmos esta idéia?

PHD Toninho

Á partir destes relatos de viajantes que passaram pela experiência anterior, nosso grupo se aperfeiçoa no aprendizado, e de certa forma, só isto já justificaria a vontade de todos em fazer a viagem e manter o espírito de companheirismo ao longo do caminho.
Muitos são os motociclistas que preferem viajar sozinhos, justamente por haver esta falta de harmonia na maioria dos grupos, mesmo sabendo que uma viagem em grupo, com amigos verdadeiros, é muito mais marcante do que uma aventura solo.

No nosso caso, só vamos saber se a experiência deu certo, no nosso retorno. Mas antes mesmo da partida, esta discussão sendo feita, mostra que vontade não vai faltar.